terça-feira, 28 de abril de 2009

O menino está fora da paisagem

Por Arnaldo Jabour - A Tribuna de 2009 - ES

O menino parado no sinal de trânsito vem em minha direção e pede esmola.


Ele está fora do carro, fora da loja, fora do restaurante. A cidade é uma grande vitrine de impossibilidades.


O conceito de tempo para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias. Só coisas "importantes": "Está na hora do português da lanchonete despejar o lixo..."; ou "estão dormindo no meu caixote...".


Ele é um penetra; é uma espécie de turista marginal.


Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua presença.


Antigamente não o viamos, mas ele sempre no viu. Depois que começou o medo da violência, ele ficou mais visível.


Ele percebe que provoca inquietação (medo, culpa, desgosto, ódio). Todos preferiam que ele não estivesse ali. Por quê? Ele sabe.


Evitamos olhá-lo; mas ele tenta atrair nossa atenção, pois também quer ser desejado. Mas os olhares que recebe são fugídios, nervosos, de esguelha.


Está em casa, ali, na rua. Olhamos o pobrezinho parado no sinal fazendo um tristíssimo malabarismo com três bolinhas e sentimos culpa, pena, indignação. Então, ou damos uma esmola que nos absolva ou pensamos que um dia poderá nos assaltar.


E não podemos reclamar dele. É tão pequeno...


O mendigo velho, tudo bem; "Bebeu, vai ver a culpa é dele, não soube se organizar, é vagabundo". Tudo bem. Mas o mendigo-menino não nos desculpa, porque ele não tem piedade de si mesmo.


Todas nossas melhores recordações costumam ser da infância. Saudades da aurora da vida. O menino de rua estraga nossas memórias. Ele estraga a aurora de nossas vidas.


Por isso, tentamos ignorá-lo ou o exterminamos. Antes, todos fingiam que ele não existia.


Ele tem ao menos uma utilidade: estraga nossa paisagem presente, pode melhorar nosso futuro. O menino de rua denuncia o ridículo do pensamento "genérico-crítico" - mostra-nos que uma crítica à injustiça tem de apontar soloções positivas.


Para ele, nossos sentimentos não valem nada. E não valem mesmo. Mesmo não sabendo nada, ele sabe das coisas.

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